sábado, 24 de julho de 2010

PÁTEO DA MISERICÓRDIA




CAPÍTULO UM

ESCOLA DO BAIRRO SALGADO



Alguma preparação feita numa creche, agora infantário, que a minha mãe conseguiu, estou certo, argumentando como só ela sabia.

Um primeiro ano com algumas recordações, más, de um professor que, sem esforço, poderia ser substituído por um qualquer gorila com passagem por um zoológico.

Um ano a marcar passo.

Segundo ano, outro professor, que haveria de acompanhar-me até ao quarto. Um homem com uma aparência física, temo, lhe tenha amargurado a vida.

Frustração que a violência sobre os alunos, agora sei, o aliviava da dor albergada na corcunda, transportada todos os dias à hora certa para a Escola, num corpo apressado.

Um terror que um qualquer dia obrigado a ouvir Freiras por vezes fazia esquecer.

Livros, lápis, cadernos. Uma miragem só vislumbrada em mãos afortunadas, sem culpa de um País, tratando mal quem não o fez por merecer,

Havia, claro o ansiado intervalo de quinze minutos.

As mães, no pátio da Escola em número bastante, alimentando os filhos, criavam em mim, a ilusão de estar à sombra de árvores então existentes na praia de Albarquel num dia de verão.

Toda a gente comendo, sentada à sombra, fugindo ao calor. E eu imaginando, pés dentro de água, na mão um pão, com sorte escondendo alguma coisa dentro, e sonhando com um gelado no final do dia, que não me lembro de ter alguma vez saboreado.

Corrida louca para casa acompanhado, por amigos mais sortudos, em direcção a uma cozinha, que quando muito me oferecia a possibilidade, de com alguma sorte meter os dedos num pacote de margarina Vaqueiro meio vazio, lambê-los e correr.

Correr muito para chegar à Escola antes de toda a gente saciada entrar. Acreditando no dia seguinte ser diferente.

Não era. Igual em tudo a todos os outros quase adivinhando os pensamentos da minha mãe "cresce filho a mãe precisa de todos para ajudar com algum dinheiro em casa".

E eu queria crescer. Ser miúdo assim não era bom, sabia-o, ainda que estivesse longe de ter essa consciência.

Sabia que o tempo de passar a ver atrás de um balcão de mercearia os meus amigos jogar futebol, fazer coisas de putos, ia chegar.

Escola de manhã, trabalho à tarde.

Quarta classe, último ano, por fim.

Os namoros, primeiros amores, desamores, estão a chegar.

Depois conto noutro capítulo.

(dedicado meus amigos que comigo partilharam estas e outras dificuldades)








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